A democracia funciona? Sim, mas não pelas razões que gostaríamos. O que algumas décadas de pesquisas empíricas sobre o voto revelam é que o eleitor dificilmente faz suas escolhas comparando e avaliando racionalmente as propostas de partidos e candidatos. No mais das vezes, ele se deixa guiar por impulsos emocionais e lealdades grupais.
Pode acontecer de o eleitor, diante da performance negativa ou positiva de um governo (e das reações emocionais que ela desencadeia), decidir puni-lo ou recompensá-lo. Esse é um fenômeno que, em algum grau, confere um pouco de previsibilidade ao processo eleitoral. Só que ele está longe de ser uma regra universal.
Boa parte das administrações não é catastrófica ou brilhante o bastante para provocar uma tendência eleitoral irrefreável, o que deixa espaço para o aleatório. Regressões estatísticas mostram que o regime de chuvas e até ataques de tubarões afetam o comportamento do eleitorado.
Por qual motivo, então, a democracia funciona? A resposta está na menos em eleições e mais na paisagem institucional que a acompanha, em elementos como “rule of law”, liberdade de expressão e, principalmente, a alternância do poder.
Eleições são relevantes porque ajudam a promover a alternância de forma pacífica e porque tendem a reduzir o radicalismo. Num pleito, as posições mais extremas em geral se anulam, favorecendo a moderação.
A notícia dada pela Folha de que, no afã de evitar Lula, o tal de mercado (deixemos de lado sua conceituação) já namora a candidatura de Bolsonaro preocupa porque destruiria um dos poucos mecanismos virtuosos do processo eleitoral. Bolsonaro até pode tentar se disfarçar de liberal moderado, mas sua biografia escancara um radical, intervencionista e inimigo dos direitos humanos, isto é, das garantias fundamentais do indivíduo. Ele é basicamente tudo o que os mercados deveriam abominar.
Hélio Schwartsman – Folha de S.Paulo