Ela explica que, se antes as crianças brincavam nas ruas e exploravam espaços abertos, hoje o brincar está deixando de ser livre e os pais sabem disso

Nos últimos anos a infância passou por uma transformação significativa. O que antes era sinônimo de liberdade, criatividade e espontaneidade agora está frequentemente atrelado ao consumo e à necessidade de supervisão constante.

Se antes as crianças brincavam nas ruas, exploravam espaços abertos e inventavam suas próprias regras, hoje o brincar muitas vezes acontece em ambientes fechados, mediados por telas ou estruturados em espaços pagos. Mas será que a essência do brincar livre está se perdendo?

Deyse Campos, pedagoga e fundadora da escola Interpares, em Curitiba (PR), explica que a questão vai além da segurança. “Estamos vivendo em um mundo onde tudo é monitorado, onde até as escolhas mais simples, como qual vídeo assistir ou qual jogo baixar, são influenciadas por algoritmos. O brincar também virou um produto”.

As famílias vão ao shopping para que as crianças possam brincar em espaços pagos, interações são mediadas por grandes franquias de entretenimento e até a ideia de diversão vem carregada de um apelo comercial.

“O brincar livre, aquele que desenvolve autonomia, criatividade e conexão real, está justamente naquilo que não exige consumo. Ele está no contato com o outro, no uso do corpo, na relação com a natureza – tanto a externa quanto a interna”, comenta a pedagoga.

Escolas que adotam uma abordagem socio-interacionista, como a Interpares, por exemplo, o brincar não é tratado como um momento isolado, restrito ao pátio ou ao parque, enquanto os professores se ocupam com outras tarefas. Pelo contrário: o brincar deve estar presente em todos os momentos do dia, permeando a rotina e as interações. Mais do que apenas supervisionar, o educador precisa ser um participante ativo.

“Brincar de pega-pega, amarelinha, lenço atrás, correr e pular são experiências fundamentais para o desenvolvimento da criança. Afinal, a criança não nasce sabendo brincar – ela aprende brincando com outros, e principalmente, observando os adultos ao seu redor. Se os adultos de hoje estão cada vez mais parados, conectados às telas e distantes dessa vivência lúdica, como podemos esperar que as crianças desenvolvam um repertório rico de brincadeiras espontâneas?”, questiona Deyse.

A mensagem é clara: para brincar, não é preciso comprar nada, apenas estar presente e disponível para o outro. O brincar livre não é simplesmente deixar as crianças sozinhas para se divertirem – é criar um ambiente onde elas possam experimentar o mundo com autonomia, mas também com o suporte necessário para desenvolver habilidades sociais e emocionais.

Deyse explica que isso significa que os adultos precisam se envolver ativamente, permitindo que a criança use seu corpo, explore o espaço e crie suas próprias narrativas.

“Mais do que nunca, é necessário resgatar a ideia de que a infância não deve ser guiada pelo consumo, mas sim pela experiência real do brincar. E para isso, é preciso desconectar-se um pouco das exigências do mundo moderno e se conectar mais com o essencial: o tempo, o olhar, a presença e a relação entre as pessoas”, finaliza a pedagoga.