O sistema de saúde de Gaza foi devastado, com homens, mulheres e crianças em risco crescente de desnutrição aguda e com a sua saúde física e mental deteriorando-se rapidamente. As conclusões estão em um relatório divulgado nesta segunda-feira, 29 de abril, pela organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Intitulado Os assassinatos silenciosos em Gaza: a destruição do sistema de saúde e a luta pela sobrevivência em Rafah”, o documento mostra que mais de seis meses após o início da guerra em Gaza, a devastação estende-se muito além dos mortos pelos bombardeios e ataques aéreos israelenses. MSF descreve a luta enorme enfrentada hoje pelos palestinos em Gaza para ter acesso a cuidados médicos e alerta sobre um grande número de mortes evitáveis causadas por interrupções na prestação de cuidados de saúde críticos.

“Quantas crianças já morreram de pneumonia em hospitais sobrecarregados?”, pergunta Mari-Carmen Viñoles, chefe dos programas de emergência de MSF. “Quantos bebês morreram por causa de doenças evitáveis? Quantos pacientes que sofrem de diabetes estão sem tratamento? E quanto às consequências mortais do fechamento das unidades de diálise renal nos hospitais atacados? Estas são as matanças silenciosas de Gaza, que não são registradas em meio a todo este caos, causado pelo colapso do sistema de saúde no território”.

As equipes de MSF que trabalham em Rafah relatam que o sistema de saúde dizimado e as condições de vida desumanas também aumentam o risco de surtos de doenças, desnutrição e o impacto de longo prazo de traumas psicológicos. MSF alerta que uma incursão militar em Rafah, além da atual crise humanitária em Gaza, seria uma catástrofe inimaginável e apela por um cessar-fogo imediato e sustentado.

Condições de vida em Rafah agravam problemas de saúde

As condições de vida em Rafah hoje não são propícias à sobrevivência, afirma o relatório de MSF, com base em dados médicos e no testemunho de pacientes. Há uma escassez desesperada de água limpa para beber ou tomar banho, enquanto o lixo e o esgoto sem tratamento se acumulam nas ruas deste pequeno pedaço de terra que hoje acolhe mais de 1 milhão de pessoas que foram deslocadas à força do norte de Gaza.

Em apenas dois dos centros de saúde de cuidados primários administrados por MSF nas áreas de Al-Shaboura e Al-Mawasi, nossas equipes oferecem uma média de 5 mil consultas médicas por semana, muitas delas ligadas às condições de vida precárias das pessoas. Mais de 40% destas consultas são para pacientes com infecções do trato respiratório superior. MSF tem observado um número crescente de casos suspeitos de hepatite A. Nos últimos três meses de 2023, os casos de doenças diarreicas relatados entre crianças menores de 5 anos foram 25 vezes maiores do que durante o mesmo período de 2022. Entre janeiro e março de 2024, as equipes trataram 216 crianças menores de 5 anos com desnutrição aguda moderada ou grave, um problema que era quase inexistente antes do conflito atual.

Com os hospitais sobrecarregados com pacientes de trauma (como tiros e explosões), as pessoas com outros tipos de necessidades médicas, como mulheres grávidas com complicações e pessoas que vivem com doenças crônicas, muitas vezes não conseguem receber os cuidados de que necessitam. No hospital Emirati, onde MSF apoia o departamento pós-parto, as equipes médicas lutam para lidar com cerca de 100 partos por dia, cinco vezes mais do que antes da guerra. Nas clínicas de MSF, as consultas para hipertensão, diabetes, asma, epilepsia e câncer têm aumentado à medida em que os pacientes procuram monitoramento e medicação. No entanto, se seu estado de saúde piorar e necessitarem de medicação ou equipamento especializado, pouco poderá ser feito por eles. Muitos encaminhamentos médicos em Gaza hoje estão atrasados ou simplesmente são impossíveis de serem realizados.

A saúde mental da população de Gaza – incluindo o pessoal médico – também está dilacerada. A maioria dos pacientes que chegam às clínicas de MSF apresentam sintomas relacionados à ansiedade e ao estresse, incluindo condições psicossomáticas e depressivas. Algumas pessoas que cuidam de familiares com problemas mentais graves recorreram a sedação excessiva para mantê-los seguros e evitar que machuquem a si próprios ou a outras pessoas, devido à falta de serviços especializados que ainda funcionem em Gaza.

Para MSF, tentar apoiar o devastado sistema de saúde de Gaza tem sido extremamente desafiador devido à insegurança. MSF também enfrentou desafios substanciais no transporte de suprimentos médicos e ajuda humanitária para Gaza por causa de atrasos e restrições por parte das autoridades israelenses, que são descritos em detalhes no anexo do relatório.

“Como organização médica de emergência internacional, temos a experiência e os meios para fazer muito mais e ampliar a nossa resposta”, afirma Sylvain Groulx, coordenador de emergência de MSF. “A equipe médica palestina é altamente qualificada e só precisa de meios para trabalhar em condições aceitáveis e dignas para tratar e salvar vidas. Mas hoje tudo isto permanece absurdamente impossível. Sem um cessar-fogo imediato e sustentado e a entrada de assistência humanitária significativa, continuaremos a ver mais pessoas morrerem.”

Sobre o trabalho de MSF em Gaza:

MSF atualmente opera em três hospitais em Gaza: o hospital Al-Aqsa (Área Central), o hospital de campanha indonésio em Rafah e a maternidade Emirati (no sul de Gaza), bem como três unidades de saúde, em Al-Shaboura e Al-Mawasi, em Rafah.

As equipes médicas de MSF oferecem apoio cirúrgico, tratamento de ferimentos, fisioterapia, cuidados pós-parto, cuidados de saúde primários, vacinação e serviços de saúde mental. No entanto, os cercos sistemáticos e as ordens de evacuação de vários hospitais estão empurrando as nossas atividades para uma área cada vez menor e limitando a nossa capacidade de responder às necessidades das pessoas.

MSF também fornece 300 m3 de água potável por dia em vários locais de Rafah e trabalha continuamente para aumentar essa quantidade. No dia 28 de março, MSF instalou uma nova usina de dessalinização em Al-Mawasi.

Para ler o relatório na íntegra, clique aqui.

ASSESSORIA DE IMPRENSA