Para quem em visita à Noruega pensa estar na Suécia, e, ao lado do presidente paraguaio, trata-o como governante de Portugal, uma confusão a mais seria apenas natural e inevitável. Não fosse, dessa vez, uma viagem de Michel Temer a respeito de si mesmo, ao acreditar que o afundamento de Joesley Batista extingue os efeitos judiciais e políticos do que tramaram no seu encontro noturno. A situação de Temer, na verdade, agravou-se muito. Além de inalterada, a já conhecida incriminação que Joesley lhe fez ganhou, entregue em malas e caixas, volumosa contribuição do seuparceiro Geddel Vieira Lima.

As gravações que Joesley traz não apagam a anterior, em que Temer lhe recomenda manter a compra de silêncio dos presos Lúcio Funaro e Eduardo Cunha. Nem elimina sua indicação, para representá-lo junto a Joesley, do “auxiliar de plena confiança” logo fotografado com a mala e meio milhão vindo do empresário. Temer continua denunciado, para ser processado quando termine o mandato.

Geddel é um político que não suscita dúvidas há 25 anos, quando se notabilizou como um dos “anões do Orçamento”, que desviavam em favor próprio a destinação, pela Câmara, das verbas federais para o ano. Na década passada, Antônio Carlos Magalhães avisava, sobre negócios de Geddel com fazendas e outros imóveis: “Geddelzinho vai às compras”, ou foi. Apesar de tal transparência, Geddel foi diretor da Caixa Econômica a pedido do então vice de Dilma Rousseff (para eliminar dúvidas teimosas sobre o sentido de suas escolhas, o outro diretor indicado por Temer foi Moreira Franco). Derrubada Dilma, Geddel estava na primeira fila a entrar no Planalto, feito ministro da Secretaria de Governo de Temer –um dos dois ministros que sabem e lidam com tudo no governo.

O apartamento de Salvador tornou-se cofre de Geddel no ano passado, como informou à polícia o proprietário, Silvio Silveira. No governo Temer, portanto. A providência teve motivo claro: o governo resguardava Geddel de investigação sobre o pretendido prédio ilegal em Salvador, mas a Lava Jato e outros jatos poderiam escapar ao controle. Remeter dinheiro para o exterior, assim como aplicações encobertas, era um risco implícito nas circunstâncias. Malas e caixas passaram a compor um cofre dotado de sala, quartos, banheiro e cozinha. Tão único quanto Geddel. Mas sem negar a utilidade de cofres ainda mais turísticos, apesar de inconvenientes no momento.

As autorizações do juiz Vallisney de Souza Oliveira à Polícia Federal indicam disposição de esmiuçar a riqueza de Geddel, seus meios e fontes. Isso tem conexões com outro fator de agravamento para Temer: as revelações de Lúcio Funaro, intermediário de corrupção com ligações tanto a Geddel, em transações variadas, como a Temer, no mínimo em captações sob o nome do PMDB. A delação de Funaro homologada pelo Supremo foi um complemento adequado ao dia em que ficaram conhecidos o cofre e mais uma gravação de Joesley. A homologação encerra a espera do procurador-geral Rodrigo Janot para liberar nova denúncia criminal contra Temer.

Ainda em nível de expectativa, há mais quatro ou cinco gravações de Joesley e outros dirigentes do grupo J&F. Mais ameaças potenciais para Temer, sem exclusividade: seria a hora também de outros políticos. Acima de tudo isso, paira a indignação que invadiu o Supremo e, pode-se pressentir, exacerbou disposições ali quanto a tudo referente à corrupção e seus personagens. Uma boa perspectiva, pois. Não para Temer.

Clóvis Rossi – Folha de S.Paulo