Folha de S. Paulo – Bernardo Mello Franco
Um ano depois de ser afastada definitivamente da Presidência, Dilma Rousseff afirmou à Folha que o impeachment foi aprovado com base em argumentos “ridículos”.
Ela continua a chamar o processo de “golpe”, mas reconheceu que seu governo “perdeu a batalha do convencimento” quando buscava saídas para a crise econômica.
Ao analisar a disputa de 2018, Dilma, 69, disse que prefere ver o PT enfrentar o tucano Geraldo Alckmin a Jair Bolsonaro ou João Doria, a quem chama de “inconsistente”.
Bem-humorada, a ex-presidente disse que quer assistir ao filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, baseado na Lava Jato. “Acho que uma boa comédia é imperdível. Especialmente quando não queria ser comédia”, provocou.
Ela também ironizou a presença de André Fufuca (PP-MA) como presidente interino da Câmara: “O Fufuca é a piada pronta daquele local”.
*
Folha – Seu afastamento definitivo fez um ano. Como a sra. vê o impeachment hoje?
Dilma Rousseff – Não mediram as consequências de tirar uma presidente eleita sabendo que não havia crime de responsabilidade. É ridícula essa pedalada, principalmente nos dias que correm. Estão indo para um deficit de
R$ 180 bilhões. Eles não fugirão de aumentar impostos.
Qual era a versão? Me tira, e a fadinha da expectativa trará o investimento estrangeiro de volta. A crise de confiança desaparecerá. Era uma discussão primária, com aquele pato amarelo na rua. Isso mostra a pouca seriedade do processo.
O impeachment foi aprovado em meio a uma grave crise econômica que começou em seu governo e ainda não acabou. Onde a sra. errou?
Não conseguimos levar algumas discussões de forma clara. Exemplo: a [recriação da] CPMF. A gente perdeu a batalha do convencimento dos segmentos que formam a opinião no Brasil.
Seu governo apostou em programas que foram cortados sob acusação de elevar demais o gasto público, como o Fies. A sra. faz uma autocrítica disso?
De jeito nenhum. O Fies está baseado em crédito. O Ciência sem Fronteiras é um percentual ínfimo [do Orçamento]. Estamos falando de R$ 3 bilhões, que é o que gastaram agora comprando voto na Câmara. Qual é a acusação? De que nós exageramos nos subsídios.
Isso a sra. já admitiu em parte.
O subsídio para o povo brasileiro foi bem correspondido. O que não foi bem correspondido foi a redução de impostos da industria. Nós queríamos trocar a desoneração pela manutenção de empregos. O que se provou ali? Que para este setor, no Brasil, a primeira opção é aumentar a margem de lucro.
A Câmara livrou o presidente Temer da primeira denúncia por corrupção. Por quê?
Porque os 267 que o livraram são os mesmos que me condenaram. Acho que foi uma decisão ideológica [Dilma esfrega o polegar e o indicador em sinal de dinheiro]. Uma decisão ideológica comprada a peso de ouro. O processo é de compra e venda.
É necessário mais elementos do que gravar as pessoas para baixo e para cima com mala de dinheiro? Não, né?
Acredita que ele vai se salvar da segunda denúncia?
O Temer precisa se legitimar diante do mercado, entregando o que prometeu. Quanto mais ele busca isso, mais ilegítimo fica diante da população. E quando chegamos perto da eleição, essa ilegitimidade produz mais efeito sobre os nobres deputados, que não são suicidas. Hoje o governo corre um risco imenso, que é o da irrelevância.
Nos últimos meses, a Lava Jato denunciou Temer e pediu a prisão do senador Aécio Neves. Ainda dá para repetir que o PT é perseguido?
Pela dimensão que o processo contra o PT assumiu, não há a menor dúvida de que estava centrado em nós. Só que a vida é dura. De uma certa forma, a realidade começa a se impor e aparece.
A utilização da Lava Jato contra a minha campanha de 2014 foi total. Venho sendo inocentada de algumas acusações que foram vazadas e nunca tiveram prova.
Durante um ano, o CEO da Andrade Gutierrez [Otávio Azevedo] disse que minha campanha tinha feito chantagem: ou ele contribuía com R$ 1 milhão, ou não teria mais nenhum contrato. Ele não me acusava, mas acusava duas pessoas a mim ligadas: o Edinho [Silva] e o Giles [Azevedo].
Depois a gente descobre que o cheque era nominal ao senhor vice-presidente Michel Temer. Pedimos a anulação dos benefícios para o delator. Anularam? Não.
Em maio, a publicitária Mônica Moura a acusou de usar um e-mail secreto para avisá-la de que seria presa. Isso ocorreu?
Estou esperando até hoje a prova do e-mail. Quero que me mostrem. O que eles apresentaram é um registro a posteriori, feito lá em Curitiba.
Os procuradores deviam investigar a imprensa. Foi amplamente noticiado pela imprensa que os dois [Mônica e o marido, o publicitário João Santana] podiam ser presos. Eu ia avisar o quê?
Ela disse que a sra. sugeriu criar um e-mail com o nome “Iolanda”, inspirado na mulher do presidente Costa e Silva.
Eu acho aquilo ridículo. É o mais apagado dos presidentes. Nem sabia como é que chamava [a primeira-dama]. Aquilo não tinha a menor relevância para mim. Chegaram a investigar se eu tinha esse nome [na clandestinidade]. Até isso tentaram.
Diante da necessidade de apresentar alguma coisa, eles foram muito imaginativos. A consequência disso é zero.
A sra. também foi citada na delação de Joesley Batista.
A última coisa que falaram foi que eu e o presidente Lula tínhamos uma conta no exterior. Essa conta era de US$ 150 milhões. Depois mudou para US$ 90 milhões. Depois apresentaram uma conta que pagou o casamento, um apartamento na Quinta Avenida e um iate [do dono da JBS]. É sempre assim.
O que espera da eleição presidencial de 2018?
O golpe não é uma peça com um só ato. O primeiro foi o impeachment, para me afastar da Presidência e evitar que as investigações chegassem até eles.
O segundo ato é afastar o ex-presidente Lula. Mas outro dia ele falou claramente: “Participarei da eleição preso ou solto, condenado ou absolvido, vivo ou morto”. Ele participará da eleição.
Por isso algumas possibilidades estão sendo colocadas na mesa, como a farsa do parlamentarismo. Não afasto sequer a possibilidade de tentarem, de alguma forma, impedir a eleição em 2018.
Qual é o plano B caso Lula seja impedido de concorrer? O PT lançará Fernando Haddad?
Isso ainda não foi discutido. Quem vai ser é uma obra aberta. Do nosso ponto de vista, essa discussão é um absurdo. Por que nós iríamos nos antecipar? Não somos nós os algozes da democracia.
Quem o PT vai enfrentar?
Um produto da deterioração do golpe foi a dissolução do PSDB como proposta de centro-direita do país. Agora emergem dois nomes. Um político de extrema-direita, que é o Bolsonaro, e um político que não tem nenhum compromisso com o país, o Doria.
E Geraldo Alckmin?
Eu preferia o Alckmin ao Doria e ao Bolsonaro. Acho que o país preferia um candidato do perfil do Alckmin.
Por quê?
Ao Bolsonaro, não tenho dúvida. Em relação ao Doria, que as pessoas façam seu raciocínio e pensem bem. Não vejo consistência na candidatura dele. O Alckmin, de uma forma ou outra, é PSDB. Acho que eles ainda têm um pequeno compromisso com o país.
E Marina, pode se viabilizar?
Não consigo ver. Não tenho visto a presença dela no cenário político, então fica difícil.
Vê ambiente para o surgimento de um salvador da pátria?
Total. Quando as demandas da população não encontram receptividade, o governo e a política passam a ser irrelevantes. Você cria ambiente para um salvador da pátria, no pior sentido.
Surgem soluções que incriminam segmentos da sociedade. Como a demonização dos mexicanos na eleição do Donald Trump nos EUA. O Brasil vive uma situação perigosa, de descrédito generalizado. Isso é muito ruim.
Pretende se candidatar a senadora ou deputada em 2018?
É engraçadíssimo acompanhar as narrativas do que acham que eu vou fazer. Não tenho posição ainda. Preciso ver como as coisas ficam. Da política, eu não saio.
A sra. se sentiria confortável em integrar o Congresso, que cassou o seu mandato?
Espero que haja uma renovação. O Ulysses Guimarães tinha aquela profecia: “Acha este Congresso ruim? Então espere o próximo”. Espero que a profecia não se realize.