Dizem que se conselho fosse bom não seria de graça. Porém, com quase três mil mortes diárias e o sistema de saúde entrando em colapso, nos resta dar alguns conselhos ao presidente Bolsonaro.
Não sabemos se Bolsonaro está sendo bem aconselhado ou se está dando ouvidos a pessoas que o descolaram completamente da realidade, mas suas ações não guardam o mínimo de razão jurídica e de humanidade sobre os fatos horrorosos da pandemia por aqui.
Observemos que Bolsonaro propôs ações contra decretos de governadores que estão impondo restrições necessárias. Ações fadadas ao fracasso, pois não há direito novo nos decretos que impliquem em extrapolar competência legislativa, tão somente regulamentam atos de gestão de saúde regionais.
Porém, Bolsonaro visa apenas reiterar que é o STF quem dita as regras sobre gestão da pandemia e que nada pode fazer. Mas tem efeito colateral: são juridicamente perigosas para o presidente.
Perigosas porque tangibilizam, dão materialidade, ao que até então se limitava a frases soltas. As medidas jurídicas deixam provas concretas que o governo federal é contrário ao isolamento e restrições de contato entre as pessoas.
Não há divergência séria sobre o fato de haver poucas medidas para conter a circulação do vírus: vacina e afastamento social. Nesse ponto é muito perigoso juridicamente contrariar o que o mundo está fazendo para combater o vírus.
Bolsonaro precisa admitir que a epidemia está fora de controle; está matando pessoas e a economia ao mesmo tempo. Mata pessoas pela agressividade da doença e falta de equipamentos. Mata a economia porque o abre e fecha prolongado dá sobrevida aos números impressionantes de infectados que abalam a economia que não pode abrir a plena força.
Bolsonaro deveria aproveitar os feriados de São Paulo, as diversas medidas de restrição de circulação em curso, até mesmo a suspensão de trabalho na Volks, como exemplos, para emendar uma medida nacional.
Deveria gerenciar ações humanitárias capitaneadas pelas Forças Armadas e Polícias, junto com governadores, para distribuição de cestas básicas nos vinte e um dia que são recomendados por estudiosos sobre lockdown. Precisa frear totalmente a circulação das pessoas e, por consequência, do vírus, para poder abrir a economia e dar tempo de a vacinação mostrar sinais de sucesso.
E, um aparte, todos os agentes políticos envolvidos, Bolsonaro, Ciro, Lula, Doria, deveriam propor uma trégua de adjetivações em rede social em prol do povo brasileiro. Pelo menos durante 2021.
Bolsonaro precisa saber que o que era apenas gestão pública de saúde conflitante em 2020 não é mais. Já há paradigmas em países que aplicaram lockdown. Já se sabe que a cloroquina não funciona. Suas atitudes omissivas comissivas, contra todos os padrões internacionais de saúde estabelecidos, o colocam a um passo do direito internacional e suas consequências jurídicas.
Tudo o que Bolsonaro tem feito é produção de provas contra si. Se havia dúvidas sobre o que fazer em 2020, a partir de meados do segundo semestre daquele ano já não ocorria mais.
Bolsonaro precisa ser alertado sobre o juízo universal penal em matéria de direitos humanos. Direito que colocou Pinochet na jurisdição internacional repressiva, e pode ser utilizada pelas Cortes de países outros para processar e punir atos reconhecidos como crimes no direito internacional.
Relembrando, em 1996, o juiz espanhol Baltasar Garzón mandou prender Pinochet sob a acusação de envolvimento no desaparecimento de cidadãos espanhóis na Argentina e no Chile.
Pinochet foi preso na Inglaterra, onde estava para um procedimento médico, ou seja, não em missão oficial, apesar de ser senador chileno vitalício. Ficou preso mais de 500 dias na Inglaterra, voltando ao Chile por questões de doença, constrangendo o Judiciário Chileno que nada tinha feito até então.
A porta ficará escancarada para qualquer país ou juízo tomarem iniciativa em qualquer momento futuro. Só precisarão de um nexo jurídico.
O que queremos salientar é que o direito internacional funciona muito com antecedentes, muito antes de ser uma justiça de precedentes, pois muito nova. Logo, tribunais ad doc, como de Nuremberg, para Ruanda ou Iugoslávia, foram antecedentes ao próprio Tribunal Penal Internacional.
Há temas novos para os tribunais internacionais: ecocídio, pandemia; o mundo cobrará uma resposta no tempo certo.
Logo, nada adianta mandar comitiva a Israel para solidarizar-se com o caso do TPI e a questão Palestina, pois mesmo Israel manteve medidas rígidas contra a pandemia, e vão virar as costas para questões que serão privadas em algum momento futuro.
O pito levado por Ernesto Araújo para colocar máscara em Israel não foi algo sem um significado. As medidas diplomáticas são muito protocolares, mas estava na ponta da língua do agente israelense a admoestação pelo não uso da máscara. Foi um sinal.
Assim, indicar os caminhos para salvar a vida de brasileiros serve também, por via reflexa, para aliviar o quadro jurídico que Bolsonaro desenha para si.
Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP