Enquanto se discute no Supremo Tribunal Federal a implementação do “Juiz das Garantias”, eu aqui sentado na minha poltrona, com uma pilha de livros de Direito e Medicina ao meu lado, comemoro, enfim, nove meses de reclusão dentro do meu apartamento. Faço isso por determinação de um vírus chamado SARS-CoV-2, ou coronavírus, que causa a doença chamada Covid-19, e por consciência de que, se eu me expuser por aí, vou me dar mal.

 Na verdade, foram nove meses de confinamento e de entendimento de que o Brasil nunca foi tão triste, e que o povo nunca foi tão mal aconselhado por um governo negacionista que xinga, grita, maltrata jornalistas, e que dá o mau exemplo em termos de epidemiologia, sociologia, levando, portanto, milhões a se infectarem, assim como milhares à morte.

Segundo Bolsonaro, a culpa não é dele, mas a responsabilidade é, sim, do seu governo, que, após ter comprado o povo brasileiro pobre com uma ajuda financeira, o que foi bom e devemos reconhecer sua importância, o jogou para a esteira da irresponsabilidade sanitária, levando muitos a minimizarem o risco da contaminação e tantos outros a negarem os efeitos da contaminação.

Muitas vezes tento entender como o Brasil se tornou perigoso, e quanto sinto falta daquele Brasil de Tom Jobim, da melodia que acompanha as ondas do mar, em vez das investidas raivosas de uma parte da população extremista, egoísta, sem a menor empatia com o outro.

Perdemos na verdade o senso de “cuidar do outro”. Tudo que foi proposto na nossa Constituição de 1988, elaborada por homens de bem, se tornou questionável aos olhos dos homens que deveriam perpetuá-la, ficando então a cargo do STF o dever de constantemente observá-la, e, mesmo assim, ainda temos que, enclausurados, lutar pelos direitos fundamentais e pelos avanços já concretizados, como a figura do Juiz das Garantias. Temos hoje uma população carcerária de mais de 750.000 presos, muitos deles cumprindo prisão preventiva, e mesmo assim no pobre Brasil se discute algo já votado e consagrado pelo Congresso.

Que tempos estes em que o discordar recheado de maldade e pouca solidariedade com os pobres assolou o país. Que tempos são estes que me fazem ter uma tornozeleira de concreto, para que, não induzido pelo pouco caso em relação a uma doença contagiosa, me jogue no discurso delirante que faz a população pobre se infectar e promove a superlotação dos hospitais, principalmente os do SUS, que os amantes de Adam Smith querem destruir.

Quando se começa a acreditar que chegou a vacina, o presidente afirma que não vai tomar, ignorando a ética e a responsabilidade do cargo que ocupa e de certa forma induzindo a população ao mau caminho em termos sanitários.

Foram meses me dedicando a proteger minha saúde, pensando sobre o Brasil, um Brasil mais humanizado e mais imunizado, torcendo para que tudo um dia volte ao normal, e que este conjunto, concreto, precaução e indignação, seja libertado por uma vacina, que nos liberte de um vírus e principalmente de uma ideologia contagiosa.

Fernando Rizzolo é advogado, jornalista, mestre em Direitos Fundamentais