Por Edilson Silva
Os atos do último domingo em apoio ao governo Bolsonaro foram menores que os protestos contra o governo, realizados no dia 15 de maio. Não foram manifestações estrondosas. Ficaram bem aquém do volume de engajamento que os pró Bolsonaro têm nas redes sociais. Mas não seriam estes os principais parâmetros para se avaliar o saldo desses atos.
É razoável se ter como hipótese que o governo pode ter saído fortalecido no último domingo, diante da situação difícil em que se encontrava nas últimas semanas, pois os atos, mesmo fracos, não foram um fiasco completo, como se especulou. O governo estava isolado, com defecções de importantes movimentos, em dúvida, mas conseguiu sair maior do que entrou nas manifestações, mais inteiro. Ou no mínimo saiu de uma situação bastante defensiva para uma ligeira ofensiva. Saliente-se que durante a semana que antecedeu os atos o Centrão, bloco parlamentar na Câmara, já havia recuado e votado a reforma administrativa, pauta importante do governo.
No jogo político de manipulação da opinião pública e das bases sociais, os atos serviram para coesionar a tropa militante do governo – ele agora provou que tem uma mínima capacidade de mobilização social de rua – em torno não de uma pauta especificamente, pois isto estava mais difuso, mas sim em torno de uma narrativa: a vitimização do presidente e a identificação de outros responsáveis pela situação do povo. Aparentemente, esta será a pedra angular de sustentação de toda uma retórica para irrigar o incivilizado universo fundamentalista e criminoso das fake news e pós verdades, lócus imaginário onde o presidente digladia como poucos. Ele quer arrastar a luta política para este terreno pantanoso, pois não lhe interessa a reflexão e a razão.
Dentro desta narrativa, o presidente não conseguiria governar porque forças da “velha política” não lhe permitiriam. Aqui os atos foram cirúrgicos em mirar no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) e na base parlamentar que ele maneja no parlamento, o Centrão, que já provou ser um bloco maleável e fisiológico. O governo saiu dos atos com um aríete ensaiado e com robustez suficientes para fazer tremer os frágeis portões do castelo deste bloco parlamentar que reúne em torno de 200 deputados. Prova disso é que passados apenas dois dias dos atos um grupo de parlamentares se apressou em anunciar um novo bloco parlamentar, nem comandados pelo PT oposicionista, nem pelo PSL governista, nem pelo Centrão do Presidente Rodrigo Maia. Simultaneamente, o próprio Maia busca dinamizar um grupo misto de parlamentares, do Kim Kataguiri (PSL) à Tabata Amaral (PDT), para tentar camuflar sua pelagem, sair da pauta negativa e dissipar sua organicidade no Centrão. Até o STF se fez sensível, com o Presidente da Corte, Ministro Dias Toffoli, reunindo-se com os demais Poderes e acenando para um absurdo pacto pelas reformas.
A suposta vitimização ainda permitiria ao governo apontar o dedo para outros responsáveis no caso de uma inevitável piora na economia do país, com um PIB já decrescente no primeiro trimestre e um desemprego de quase 14 milhões de pessoas que tende a se ampliar com o quadro de desinvestimento na economia. Ter um culpado, ou culpados, que não o governo, para as catástrofes (ainda maiores) que se avizinham na vida do povo, é parte da luta política no próximo período.
Os atos serviram também, portanto, para renovar os “Judas” pendurados nos postes da tropa militante do bolsonarismo. Com a visível necrose dos argumentos de culpa do PT por “tudo de ruim que está aí”, ter a imagem de figuras como Rodrigo Maia personificando a velha política, para ser malhado nas ruas e protestos, reacende o instinto de caça e ódio que sempre alimentam o raciocínio binário da extrema direita, muito mais que qualquer sentimento de afeto.
Há ainda outros ganhos mais sutis para o governo. Abandonado por muitos que lhe apoiaram no processo eleitoral, como Lobão, MBL e Janaina Paschoal, só para citar alguns, Bolsonaro conseguiu com estes atos ganhar em interlocução direta com esta base social. Foi um teste também para a correlação de forças interna no campo da extrema direita. As manifestações foram pequenas, mas suficientes para lhe conferir uma vitória interna, dando-lhe mais condições de exercer seu caudilhismo e de seu clã e reforçando ainda mais suas tendências autoritárias. Isso é algo perigoso, pois o governo se torna, por outro lado, ainda mais refém da despolitização e virulência dos grupos mais extremados. O desaparecimento do vice presidente, General Mourão, durante estes dias agitados, também deve entrar na conta do fortalecimento conjuntural de Bolsonaro.
Percebe-se que há efeitos colaterais indesejáveis no ambiente interno do governo. Os atos reforçaram a figura do ministro Sérgio Moro, que nitidamente tem um projeto de poder paralelo no interior da institucionalidade e do governo. É do “Partido da Lava Jato” e por conta disso já sofreu frituras internas, pois faz sombra ao Presidente. Outro possível efeito colateral seria uma reação abrupta do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e sua base, diante dos duros ataques que sofreu nas ruas e redes sociais. Mas em menos de dois dias vimos que a cautela se sobrepôs ao fígado de Maia. No entanto, como a vaidade também é matéria prima da política, a vingança pode não vir a galope.
Enfim, Bolsonaro mostrou que não está nocauteado e que tem ginga pra se esquivar no canto do ringue e voltar para o combate com força. De caso pensado ou não, planejado ou não, mexeu peças importantes no xadrez da política numa semana decisiva. Em dois dias após os atos impôs sua pauta ao Congresso e ao STF, talvez buscando antecipar-se às manifestações do dia 30 de maio, que tendem a ser maiores que as suas e talvez maiores que as do dia 15 de maio.
Posando agora de mediador entre o “povo” na rua e as instituições, vai tentar minimizar os efeitos das mobilizações que tendem a se intensificar contra seu governo.
O jogo é duro para as forças progressistas e não se pode cometer erros grosseiros, como subestimar um governo de extrema direita e que surfa num legítimo sentimento popular de aversão à política.
*Integrante do Coletivo Político Refazendo, Ex Deputado Estadual, Ex Presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco.