No dia 27 de abril de 1994 o país colocou fim ao Apartheid, realizou a primeira eleição democrática e não-racista e elegeu Nelson Mandela
Um dia para não ser esquecido nem pelos sul-africanos nem por aqueles que lutam por justiça social no mundo. Nelson Mandela, que havia passado 27 anos preso e saído no dia 11 de fevereiro de 1990 para liderar o país rumo a uma democracia não racista e não sexista, foi eleito presidente para delírio de milhões. Para os sul-africanos o dia 27 de abril de 1994, quando toda a população foi às ruas votar, a maioria pela primeira vez na vida, celebra o fim do Apartheid, regime de segregação racial que vigorou entre 1948 e 1994, e também o fim de mais de três séculos de colonialismo de supremacia branca.
Com a eleição de 94, a liberação de prisioneiros políticos e o compromisso de uma nova constituição, que seria finalizada em 1996, a África do Sul deu início a uma recuperação social sem precedentes, transformando as estruturas de poder a partir da base. Por isso o dia 27 de abril é conhecido como Freedom Day, ou Dia da Liberdade.
Em 1996 uma nova constituição foi aprovada, acelerando um impressionante processo de recuperação. Atualmente, mais de 40% dos cargos de gerência em empresas sul-africanas é ocupado por negros, e um percentual de 33% dos cargos de gerência é preenchido por mulheres, brancas e negras — um feito enorme para o país que até 1994 excluía negros de todo o tipo de participação política e social e que era, como muitos até hoje, amplamente sexista. As iniciativas de ações afirmativas implantadas a partir de 94, além de fazerem os ajustes humanitários necessários, triplicaram a economia do pais.
A histórica carta constitucional
Mas os ajustes não ficaram apenas nos poderes legislativo e executivo. A constituição de 1996 estabeleceu também a criação de uma nova corte que seria chamada de Constitutional Court, formada por juízes identificados com toda a diversidade da população sul-africana que passaria a ter poderes de mais alta corte de justiça da nação. O modelo da sede da Constitutional Court foi baseado no conceito de “justiça ao pé da árvore”, uma metáfora arquitetônica da tradição cultural e tribal africana na qual os mais velhos da comunidade sentam ao pé da árvore e os mais jovens se reúnem para escutar seus ensinamentos. É também ao pé da árvore, segundo a tradição africana, que as disputas legais são apresentadas e resolvidas. A mais alta corte sul-africana foi construída no local de uma antiga prisão em Joanesburgo, conhecida como Number Four, palco de históricas injustiças e humilhações durante os anos de Apartheid e hoje transformada em museu. A ideia que moveu a decisão é a de que injustiças passadas não podem se repetir e devem sempre ser lembradas. Ressignificar um antigo símbolo de injustiça é atitude cheia de beleza e de poder e o moderno prédio da Constitutional Court está aberto para ser visitado e frequentado por qualquer cidadão sul-africano e também por turistas. Trabalham ali 11 juízes que devem obrigatoriamente representar toda a diversidade da população sul-africana, reunindo negros e brancos, homens e mulheres, lgbts e héteros.
No 15º aniversário da constituição, em 11 de dezembro de 2011, a Chama da Democracia foi instalada na entrada da Corte: uma chama originalmente acesa no vilarejo de Qunu, por Nelson Mandela, e então levada por milhares de quilômetros até a Constitutional Court, em Joanesburgo, dentro de um container especial. Qunu tem importância histórica e afetiva por ter sido o local onde Mandela cresceu. A chama que brilha eternamente representa o comprometimento do país com a democracia, com os direitos humanos e com a constitucionalidade.
O texto da constituição sul-africana, um dos mais belos já escritos, começa com as palavras: “Nós, o povo sul-africano, reconhecemos as injustiças de nosso passado, honramos aqueles que sofreram por justiça e liberdade em nossa terra, respeitamos os que trabalharam para construir e desenvolver nosso país e acreditamos que a África do Sul pertence a todos e a todas que nela vivem, unidos e unidas em nossas diversidades”. O texto fala ainda sobre curar divisões do passado, sobre criar uma nação não racista e não sexista. É uma carta repleta de beleza, de coragem e de afetos que vale ser lida como documento histórico.