Mobilizações e protestos se alastram por cidades venezuelanas
Clóvis Rossi – Folha de S.Paulo
A Venezuela entrou neste sábado (23) em estado de insurreição de baixa intensidade (de baixa intensidade porque os insurretos não têm armas, ao menos até onde se pode ver na televisão).
Insurreição evidenciada não apenas em três dos pontos em que estava presente a mídia, a saber: Cúcuta, no lado colombiano da fronteira; Pacaraima, no Brasil; e Ureña, no lado venezuelano, a cidade a que primeiro chegariam os caminhões da ajuda humanitária.
Neles, o desafio à ditadura estava sendo exibido ao vivo e em cores.
Mas, em outros incontáveis pontos da Venezuela, havia também mobilizações de massa, que só não apareciam na mídia porque a ditadura cerceia o trabalho dos jornalistas estrangeiros e controla o jornalismo local.
No entanto, uma coligação de meios digitais oposicionistas (Tal Cual, El Pitazo e Runrun) registrava, com fotos, a movimentação em diferentes cidades dos venezuelanos que demandavam dos militares que deixassem entrar a ajuda humanitária.
Insurreição evidenciada até em detalhes aparentemente menores: já na sexta-feira (22), índios Pomones sequestraram integrantes da Guarda Nacional que, pouco antes, haviam disparado para matar contra um grupo que, como tantos outros, pelejava para que a fronteira (no caso com o Brasil) fosse aberta.
No sábado, segundo tuíte de ReporteYa, em Ureña, um grupo de manifestantes sequestrou e incendiou um ônibus que pouco antes havia servido para transportar gente do governo para se contrapor aos manifestantes. Seria irônico, não fosse tão trágica a situação venezuelana.
Mais: os manifestantes, no puro muque, empurravam os restos calcinados do veículo na direção das tropas que fechavam a passagem para a fronteira. Uma maneira artesanal —mas nem por isso menos insurrecional — de impedir que os policiais avançassem e/ou disparassem contra o grupo.
Ainda na sexta, Juan Guaidó, o presidente interino reconhecido por mais de 50 países, também dava um passo rebelde, ao chegar à Colômbia, embora estivesse proibido de deixar o país, por decisão da Corte Suprema de Justiça.
Um mês depois, vale ainda, pelo menos até o meio da tarde do sábado, o que registrei na Folha a 27 de janeiro: Juan Guaidó tem mais legitimidade que poder; já Nicolás Maduro tem mais poder que legitimidade.
Caracterizava-se então e até o momento, uma situação de “impasse daninho”, como definiu para a revista Nueva Sociedad, da social-democracia alemã, o sociólogo Juan Gabriel Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella (Argentina).
O que é exatamente esse impasse? “Nenhuma das partes pode triunfar mas tampouco aceita ceder”, explicava Tokatlian, um dos mais lúcidos analistas latino-americanos.
O que vai romper o impasse já não é tanto se a ajuda humanitária entra ou não na Venezuela. Os apoiadores de Guaidó (e seus aliados brasileiros e colombianos) já deixaram claro que, se os caminhões não conseguissem entrar no sábado, haveria novas tentativas no domingo, na segunda-feira, na terça-feira.
A questão, pois, passa a ser por quanto tempo podem ser mantidos o “impasse daninho” e a insurreição sem armas. Ou quem, Maduro ou Guaidó, pisca primeiro.