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A retirada dos médicos cubanos de Pernambuco deixará cerca de 1,4 milhão de pessoas desassistidas. São 414 atuando no Estado. Em regiões como o Sertão do Araripe, eles são os únicos presentes nas unidades de atenção básica.
Segundo o presidente da Associação Municipalista de Pernambuco, José Patriota, a situação que se imagina com a saída é “caótica”. “Essas pessoas estão onde nenhum outro profissional qualificado quer estar. Não dá para substituir. Ninguém vai cinco dias por semana a um distrito de Ouricuri localizado a 80 quilômetros de distância do centro, para trabalhar as 40 horas. O cubano vem e fixa residência ali”, comentou Patriota, que também é prefeito de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú.
Uma solução para preencher a lacuna está longe de ser descoberta. Mas prefeitos de todo o país se encontrarão em Brasília na próxima segunda-feira em encontro da Confederação Nacional dos Município e tentarão encontrar alternativas. “Para se ter uma ideia do que enfrentamos, lembro que o Ministério Público Federal apertou os brasileiros do Sertão para que trabalhassem as 40 horas e eles decidiram ir embora. Atendiam correndo e saíam correndo para ganhar dinheiro em outro lugar. Hoje, de Verdejante até Araripina, só temos cubanos. Eles não querem lucrar, vêm para trabalhar, o que fazem muito bem”, analisou.
De acordo com professora de medicina da UPE Bernadete Antunes, os problemas vão além de vagas a serem preenchidas. Essa é só uma das crises. “A segunda crise é a de legitimidade da Atenção Primária, a porta do sistema de saúde. O Mais Médicos conseguiu grande cobertura, e com qualidade. Setecentos municípios que receberam cubanos nunca tinham tido um médico antes. Além da distância, o problema é o tipo do trabalho que os brasileiros não se adaptaram. Um trabalho junto da população, humano, de escutar de verdade. O programa abriu primeiro para os brasileiros e os cubanos vieram para vagas não preenchidas”, comentou.
Mais Médicos, e ela era imprescindível para levar vacinas. Contra as arboviroses, por exemplo. “O Ministério vai apostar na vacina, mas como elas serão levadas à população? São ainda extremamente preocupantes as questões da mortalidade infantil e materna, das doenças negligenciadas, como a febre amarela, a leishmaniose.”
Bernadete lembra que, além de unidades de difícil acesso, locais perigosos de grandes cidades também são comumente rejeitados pelos médicos. No Recife, duas Unidades de Saúde da Família (USF) estão sem atendimento porque o Cremepe os considerou inseguros. Médicos que forem trabalhar podem responder por infração ética. É onde uma dos dez médicos cubanos da Capital trabalha. “Ela é a melhor de todos e vão tirar?!”, questiona João Teixeira, 64, morador do Ibura, próximo a um dos postos.
Outro morador, Willington Zamir, 40, reclama da atitude da maioria dos médicos brasileiros. “Precisam ser humanizados e trazidos para o lugar dos cubanos. Na maioria dos postos, nem olham para você. Nós somos gente. Fui atendido pela cubana e foi ótimo. Mas também já fui atendido por uma brasileira e foi maravilhoso. O problema é que a maioria dos daqui são boçais. Se o rapaz que vem varrer o chão da USF vem, por que eles não podem vir também?”, questionou.
A atenção diferenciada dos cubanos é ponto pacífico entre os especialistas. Mas Bernadete, que co-escreveu um livro sobre o programa, se preocupa também com o corte entre a relação do meio acadêmico com o atendimento feito no dia a dia nas USFs. Cada médico é supervisionado direta e continuamente por um médico da família mais experiente. Este último ainda é tutorado por um professor universitário como ela, que discute e traz novas perspectivas sobre o atendimento e suas vicissitudes.
O professor da UFPE Aristides Oliveira tutorou supervisores de nove cidades agrestinas. “O impacto no Agreste sem dúvida será tremendo se os cubanos forem embora. Antes do programa, os profissionais iam um dia na semana e atendiam todo mundo de uma vez.