(em homenagem aos 30 anos da Carta de 1988)

Francismery Mocci e Polyana Lais Majewski Caggiano

Estamos vivendo um tempo em que muitos de nós, operadores do Direito, não imaginaríamos: um clamor popular pelo retorno da ditadura militar no Brasil. Sim, pelo retorno da ditadura militar no Brasil.

Tem-se ouvido frases como: “naquele tempo não havia corrupção”, “as crianças aprendiam na escola conceitos de moral e cívica”, “cantava-se o hino nacional”, “governos democráticos promovem uma grande desordem, afetando instituições como a família”, dentre outras. Os argumentos são os mais variados possíveis, sendo que alguns deles beiram o absurdo. Outros podem ser justificáveis pela insatisfação da (des) ordem política ou mesmo pela falta de conhecimento da perspectiva histórica, que remonta períodos nos quais houve uma alternância entre ditadura e democracia. O fato é que hoje em dia parece ter sido incutida uma visão romântica da ditadura na mente dos brasileiros que pedem uma intervenção militar.

Tendo em vista esse clamor intervencionista, afinal de contas, o que é mesmo democracia?

De acordo com TOURAINE (1996), democracia não pode se separar da ideia de povo, do viver em sociedade, que garantias de que as liberdades sejam resguardadas de forma a proteger a grande maioria da população – e não a minoria política[1].

No mesmo rumo, Giovanni SARTORI, em seu livro A teoria da democracia revisitada, utiliza uma definição pautada na negativa, asseverando que “democracia é um sistema no qual ninguém pode escolher a si mesmo, ninguém pode investir a si mesmo com o poder de governar e, por conseguinte, ninguém pode arrogar-se um poder incondicional e ilimitado”[2].

Assim, democracia é um sistema no qual figura o todo, o povo, cujo poder não está centralizado nas mãos de uma única pessoa que o investiu, mas nas mãos da maioria da população. Democracia é a não-ditadura, o não-totalitarismo, a não-autocracia.

Norberto BOBBIO[3] nos fala que “o perfeito governo livre é aquele em que todos participam dos benefícios da liberdade”.

No governo democrático, as liberdades de pensamento devem ser ampliadas. Tanto as liberdades quanto as garantias individuais não podem ser limitadas pelo poderio autoritário, mesmo que latente.

Politicamente, a ressalva que se coloca é que, enquanto ideias autoritárias devem ser repelidas, também os ideais conservadores não podem se sobrepor aos do povo.

Uma das diferenças entre as constituições de um período ditatorial e de um período democrático é que, no primeiro, o Presidente detém poder soberano sobre os seus atos, já no período democrático, seus atos são supervisionados pelos demais poderes, já que a democracia requer o equilíbrio entre os poderes.

Fica claro que uma das mais marcantes características da democratização é a tentativa de equilibrar os poderes do Estado, dando força àquele que anteriormente não tinha, equalizando a divisão tripartite de poderes. A Constituição não deve oprimir nem suprimir a vontade das maiorias. Ao contrário, deve preservá-las, sendo seu escopo maior a justiça social.

O povo é responsável pela implementação de um regime político, das suas escolhas e de suas características. E, esse mesmo povo muitas vezes sequer sabe que é o titular legítimo da soberania democrática e que deve exercê-la da melhor forma possível beneficiando-se de suas escolhas.

Do exposto, conclui-se que o clamor popular por intervenção militar no Brasil, com respeito a quem a defenda, é o maior “tiro no pé” que o povo pode atribuir-se a si mesmo, pois, inevitavelmente, vem acompanhada da perda das garantias e liberdades tão arduamente conquistadas. Porém, “a democracia não protege nenhum poder dos indivíduos de controlar seu próprio destino”[4], ou seja, cada um ainda tem a sua liberdade de escolha e ela deve ser respeitada sem qualquer imposição ou arbitrariedades.

Assim, enquanto mantemos conosco essas liberdades, vamos dar um grande viva a elas. Viva aos direitos conquistados: direito a um julgamento justo, aos direitos sociais, de não ser torturado, à liberdade de expressão, de pensamento, de religião, de associação à propriedade, à liberdade de imprensa, ao devido processo legal, à integridade física, à privacidade, ao voto, enfim, direito à vida em sua plenitude.

Por fim, embora um caminho ainda muito longo deva ser traçado, um viva à Constituição de 1988 e a seus 30 anos de conquistas!

Autoras:

Francismery Mocci: advogada associada no escritório Marins Bertoldi, graduada em Direito pela UEM com especialização lato sensu pela AMATRA, especialista em Direito Processual do Trabalho pelo IPEJ, Especialista em Direito Material do Trabalho pelo IAP, pós-graduada em Magistério Superior pelo IBPEx,

Polyana Lais Majewski Caggiano: advogada associada no escritório Marins Bertoldi. Graduada em Direito pela UNIBRASIL, Pós-graduada em Direito Constitucional pela ABDCONST, Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário ABDCONST, Licencianda em História pelo Claretiano, com previsão de conclusão em Novembro de 2018; Pós-graduanda em Educação pela Faculdade São Luís, com previsão de conclusão em Outubro de 2018.

[1] TOURAINE, Alain. O que é Democracia. 2. ed.Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 24-25.

[2] SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada: O debate contemporâneo. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 1994. v.1. p.278.

[3] BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia.14. ed.Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.69.

[4] Idem.