No meio do caminho de Temer para 2018 havia duas pedras. O seu último ato do ano, que pretendia facilitar o perdão da pena a condenados por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, já tinha enfrentado a rejeição indignada de várias entidades.

A Associação Nacional dos Procuradores da República, a OAB, a Transparência Internacional se manifestaram logo publicamente contra o tal decreto de indulto, que chegou a ser chamado de “Feirão de Natal para corruptos” por Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato.

Mas o presidente nem aí, seguiu em frente. Só não contava com a reação das poderosas damas Raquel Dodge e Cármen Lúcia, símbolos hoje do chamado empoderamento feminino de togas.

A procuradora-geral da República recorreu logo ao Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a medida: “O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto”, ela afirmou, argumentando que, se isso acontecesse, seria o “restabelecimento do arbítrio”. Ela acusava o decreto de ferir a Constituição e a separação dos poderes.

No dia seguinte, a presidente do STF acolheu o recurso e concedeu liminar para suspender parte dos efeitos do decreto presidencial. A reação de Cármen Lúcia foi num tom ainda mais duro do que o da colega da PGR: “Indulto não e prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime.

Não pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito”. Sem usar eufemismos, ela deu nome às coisas, declarando que o decreto favorecia os crimes de “colarinho branco”.

Entre os que elogiaram a atitude da ministra, está o juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba: “O governo pode muito, mas não pode tudo”.

Quem não se saiu bem na fita foi Temer que, além de ver desmentida sua afirmação de que “os brasileiros não têm apreço pelas instituições”, teve que dizer uma coisa de manhã e o contrário de tarde, acrescentando mais um desgaste à sua tão desgastada imagem.

De fato, agindo como seu porta-voz, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, elogiou primeiro o decreto e avisou que o governo não iria recuar. Depois, teve que obedecer à liminar da presidente do STF. Tanta trapalhada sugere que a preocupação de Temer é a de quem vai ter que enfrentar a justiça quando terminar o mandato e, em consequência, não gozar mais de foro privilegiado.

Zuenir Ventura – O Globo