Ao chegar na casa do agricultor Rafael de Azevedo Filho, 49 anos, na comunidade Morro Branco, no município de Casa Nova-BA, a gente se depara com uma realidade difícil de compreender. Muitas vezes, mesmo com os postes da rede passando na porta das casas, em pleno século XXI, ainda existem famílias sem acesso à energia elétrica, que é essencial para garantir necessidades básicas.

Na propriedade moram também a esposa, Maria de Lourdes, 46 anos; o filho mais novo do casal, Victor Gabriel, 11 anos; e o irmão de Rafael, Jaime de Azevedo, 45 anos. A família possui uma placa solar que não supre nem 20% das necessidades do lar, “puxa apenas um bico de luz”, conta Rafael.

Nesse cenário, dentre os diversos desafios enfrentados pela família está o armazenamento de comida, porque não é possível utilizar uma geladeira. “Quando mata um animal tem que comer logo, senão a carne estraga”, destaca Maria de Lourdes.

Situação que dona Maria da Paixão Pacheco da Silva, 52 anos, e o marido Ivanildo Rodrigues da Silva, 43 anos, que moram na comunidade Arapiraca conhecem muito bem, pois há décadas vivem sem acesso à energia elétrica. Também em relação às questões alimentares, Maria da Paixão partilha o que vivencia todos os dias. “Você compra uma carne de bode, você come hoje e amanhã, depois você não come mais. Mata uma galinha grande, como é que vai consumir num dia só? Porque não tem onde colocar a outra parte”.

Ela, que acredita nos benefícios das plantas medicinais, conta ainda: “Eu faço muito remédio natural, se for xarope tem como eu consumir dentro de 15 dias ou 1 mês, mas se for batido no liquidificador tenho que consumir diariamente”.

Além do desperdício de comida, que já é um problema, considerando que muitas famílias no país ainda não têm as refeições básicas diárias garantidas, existe um risco à saúde. O fato de não armazenar os alimentos de forma adequada, refrigerados, afeta a qualidade, porque favorece a proliferação de bactérias e fungos que causam diversas complicações à saúde.

O acesso à energia elétrica está subentendido no conjunto dos direitos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Entretanto, para que essa questão seja reafirmada, atualmente, está em tramitação o Projeto de Lei 3579/20, aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que considera esse tema um item fundamental para a manutenção da saúde e da cidadania. Que, no entanto, não é garantido para todas as famílias brasileiras.

Um direito social básico negado que gera inúmeras dificuldades e riscos que podem ser evitados com a instalação da energia elétrica. A propriedade de dona Maria da Paixão, está a um raio de 3km de distância de outras comunidades que já possuem rede elétrica e também, praticamente, está ao lado da Usina Hidrelétrica de Sobradinho.

Além dos prejuízos à alimentação e saúde, o acesso à comunicação é limitado. A família do agricultor Rafael tem equipamento de rede wi-fi, mas sem energia, não consegue se conectar na internet; e também não é possível assistir programas televisivos por muito tempo. “É preciso fazer uma escolha, assistir 1 hora de TV ou manter a luz acesa. Mas geladeira, nem pensar”, explica Rafael.

A família cultiva mandioca, produz farinha e cria caprinos e ovinos, Rafael diz que se tivesse energia, também seria um ganho para os processos produtivos. “Era possível ter uma máquina forrageira para fazer silo, a partir da vegetação da Caatinga, para alimentar os animais no período de estiagem”.

O jovem Marcos Rafael de Azevedo, 25 anos, filho do casal, mora atualmente na sede de Casa Nova, mas sempre visita os pais; ele reflete que “Onde há energia há desenvolvimento. Com energia, a gente poderia fazer alguma produção, comercializar geladinho na comunidade, por exemplo”, algo que também contribuiria com a renda familiar.

A Associação dos Pequenos Produtores e Moradores da comunidade Bom Progresso, em Casa Nova, reúne 7 comunidades, das quais 5 ainda vivem sem energia, totalizando uma média de 60 famílias. O agricultor Gilberto da Silva, 50 anos, que preside a entidade, afirma que já solicitaram a ligação da rede elétrica para as residências várias vezes, “alguns projetos foram feitos, mas até hoje não contemplaram todas as comunidades”.

Inclusive, o presidente da Associação enfatiza a transformação que esse direito básico proporciona. Gilberto mora com a esposa Rosineide da Silva, 49 anos, e o filho David da Silva, 21 anos. Há 2 anos, a vida da família mudou significativamente, pois chegou energia elétrica na propriedade. “Melhorou a produção animal, a fabricação de farinha e aumentou o nosso mercadinho que atende várias famílias da localidade, se tornando a principal fonte de renda da nossa família”, relembra..

Ter direitos básicos respeitados e garantidos. É disso que as famílias de comunidades rurais de Casa Nova e de outros municípios baianos precisam para ter melhor qualidade de vida; fortalecer a geração de renda através da produção e comercialização de alimentos beneficiados, por exemplo; além do acesso à comunicação, que também é um direito fundamental. Para isso, é preciso que o poder público faça valer a lei e a sociedade civil organizada cumpra o importante papel de dar visibilidade a essas realidades e pressionar os órgãos públicos, principalmente para garantir que as empresas concessionárias prestem um bom serviço à população.

Texto e fotos: Lorena Simas | Edição: Vagner Gonçalves