Por Antônio Carlos Souza de Carvalho
Nas últimas semanas, muitos foram os comentários sobre o avanço da violência no contexto eleitoral, tanto sob o ponto de vista moral quanto sob o ponto de vista físico. O levantamento do Observatório de Violência Política e Eleitoral no Brasil (GIEL/UNIRIO) apontou um crescimento superior a 100% de casos do primeiro para o segundo trimestre deste ano, com o terrível destaque de 25 homicídios.
Desde 2019, foram registrados mais de 2100 casos de violência política no Brasil. Esse é mais um dos estudos que apontam os índices de violência no país, todos eles extremamente dramáticos, como as mais de 258 mil mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica em 2023 e as mais de 46 mil mortes violentas intencionais no mesmo ano. Esses números, comparados internacionalmente, demonstram que os índices de violência no Brasil são razoavelmente maiores do que a grande maioria dos países do mundo.
Mas, aparentemente, muita gente se assustou com a cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal no debate realizado pela TV Cultura entre os candidatos à prefeitura de São Paulo. Ou com o marqueteiro de Nunes saindo ensanguentado por uma altercação com um membro da campanha de Marçal. O que os números indicam, no entanto, é que o que realmente assusta é o fato disso ser visto ao vivo, em TV aberta ou internet, num contexto que historicamente sempre houve um protocolo minimamente civilizado de respeito mútuo.
Só que esse protocolo de respeito mútuo não é a realidade vivida pela maioria das pessoas nesse país. Basta ligar a tv e assistir à TV Aberta de algumas cidades por algumas horas que inevitavelmente você assistirá algum episódio de violência, inclusive com diferentes opções de narrativas, garantindo a existência do velho sensacionalismo. São contextos absolutamente distintos e que merecem uma análise mais detida, já feita por diversos especialistas da área. Mas aqui, o que precisamos discutir é o vetor simbólico da violência ocorrida nos episódios da corrida eleitoral paulistana.
No primeiro episódio, de um lado, um jornalista que ficou conhecido por comandar um desses programas que falamos há pouco. Do outro, um jovem político com aspirações bastante contundentes e um discurso absolutamente perigoso de “revolta” contra a política. Uma cena de ataque mútuo às suas respectivas honras, um questionamento sobre a masculinidade e a cadeirada enquanto resposta. O contexto de violência mútua em que de um lado sobra violência verbal e uma forma absolutamente questionável de fazer política, e do outro, prova-se uma masculinidade através de um ato de violência, em nome da defesa de sua honra e de sua família.
No segundo episódio, esse mesmo jovem político defensor da ditadura de El Salvador, consegue a proeza de ser expulso de um debate. Porque estava provocando um candidato ao acusá-lo de conexões tenebrosas com o mundo do crime. Os funcionários das campanhas entram em altercação e temos a imagem de um homem sangrando, tal qual saído de uma briga de rua. É impossível não conectar todos esses elementos. Parece filme de máfia.
São razões e subjetividades que se encontram de uma tal forma que os episódios parecem inevitáveis. Rapidamente, todos os candidatos, toda a imprensa e meio político ficaram estupefatos, condenando a política como se todos, absolutamente todos não fossem responsáveis por ela em alguma medida. Ou nos esquecemos dos assassinatos políticos ocorridos no Brasil ao longo de sua história? Ou nos esquecemos das desigualdades que nos forjam a uma realidade de convivência quase “natural” com algum episódio de violência? Ou deliramos que esses um episódios são isolados ou precisamos entender que na prática, o tal repúdio à violência no mundo da política é mais uma mentira.
A tal da tradução da revolta das pessoas pela falta de oportunidades nessa canalhice política perpetrada por Pablo Marçal é uma vergonha. A questão é que subjetivamente, alguns outros, codificam, respectivamente, a defesa de suas ideias e da sua honra, com uma resposta violenta. É nessa codificação violenta da frustração que mora o nosso grande perigo. Se política é uma questão de honra, e honra se defende na porrada, política se pratica é na violência, em todas as suas dimensões, sejam elas sexual, moral, psíquica, sob o sentimento generalizado de que estamos em guerra. E ainda há quem alegue a vontade de Deus nesse contexto.
Infelizmente, é preciso alertar que a reiteração desses episódios pode escalar para níveis mais graves, mas que não são inéditos. Há que se lembrar disso o tempo todo. A violência política hoje aumenta, mas ela sempre existiu e é muito questionável o quanto ela foi efetivamente repudiada.
*Antônio Carlos Souza de Carvalho é cientista político, especialista em economia do trabalho pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e sócio do escritório Souza de Carvalho Sociedade de Advogados