“O ambiente intrauterino deixa marcas profundas que repercutem em sintomas e até na personalidade do bebê por nascer, já que é o nosso primeiro e mais importante ambiente da vida”, defende Olívia Tani, a maior especialista no Brasil em Psicologia da Gestação e do Nascimento na área infantil e que já acompanhou mais de 7 mil famílias de bebês e crianças com diversas dificuldades.
Como terapeuta holística materno-infantil, ela acredita que a base das dificuldades apresentadas em comportamentos e sintomas físicos infantis está ligada às experiências vividas durante a gestação e a forma como ocorreu o nascimento de cada criança. “Hoje já é largamente comprovado pela psicologia pré e perinatal que o bebê vivencia as emoções conforme os eventos que sua mãe atravessa durante a gravidez, desde o estresse do dia a dia até as situações mais intensas como um luto ou depressão. Tudo fica gravado na memória celular e inconsciente”, explica Olívia.
Bebês não são uma folha em branco
“Esse é um mito que, a esta altura da modernidade, precisa ser derrubado. Hoje, não restam dúvidas de que o início de vida constrói as raízes de um indivíduo e absolutamente tudo o que foi vivido desde o instante da concepção, ficará registrado nas páginas da história do livro da vida daquele ser.” – relata a terapeuta em seu livro.
O que mais influencia a formação da personalidade e a forma como o bebê vai se sentir e se comportar ao longo da vida são os eventos traumáticos. Acontece que, do ponto de vista de um embrião ou feto, situações que parecem normais a um adulto podem ser sentidas de forma bem intensa e até traumática. Uma briga no relacionamento entre o casal pode parecer algo corriqueiro, no entanto, a descarga de adrenalina e cortisol que chega até o delicado corpo de um feto tem um impacto centenas de vezes maior do que para a mãe adulta – e isso fica gravado como um trauma. “Um trauma se caracteriza por um evento que causou medo, terror, pânico e, ou impotência, que pode ou não estar associada também a uma dor física, como uma fratura ou agressão. Mas um trauma não é só físico. É emocional, mental e espiritual. É um núcleo de dor multidimensional. Ele marca o cérebro, a mente, o corpo, o coração e a alma”, pontua Olívia.
Comportamentos “difíceis” são um pedido de socorro
“Todo trauma deixa os sentimentos congelados no passado, quando o trauma ocorreu e foi sentido. E, com isso, os comportamentos também ficam como se estivessem desencaixados do momento presente”, afirma a especialista. Por isso, crianças que não comem, não dormem, que são hiperativas ou até agressivas estão, por meio desses comportamentos e de suas dificuldades, pedindo socorro com as memórias dos eventos traumáticos vividos no início de vida.
Quantos de nós temos a sensação de não sermos bem-vindos na família, em um lugar novo, na escola, no parquinho, em entrevistas de emprego? Para a terapeuta, essa sensação de não ser visto vem do momento de descoberta da gestação, quando a mãe foi pega de surpresa e não desejava ter um filho naquele momento ou daquele relacionamento em que estava. Ou até mesmo a forma como um filho se relaciona com o pai, por exemplo, começa embasada nas memórias de como a mãe enxergava e se sentia em relação ao pai de seu filho.
“É bem comum esses bebês que não foram esperados pelos pais quando engravidaram se sentirem inseguros, tendo maior dificuldade de ficarem sozinhos, seja para dormir ou para se separar da mãe na ida à creche, por exemplo. Não se trata apenas de um instinto de sobrevivência, afinal, todo bebê precisa se vincular para sobreviver. É nítido que o bebê de fato entra em pânico ao ser deixado por sua mãe por poucos minutos que seja. E esse medo de viver uma nova rejeição acompanha esse filho pela vida afora, em todos os relacionamentos.”
Este é apenas um exemplo, mas cada experiência vivida dentro do ventre materno foi sentida e percebida pelo bebê, que foi construindo o seu sistema de crenças a partir do seu próprio ponto de vista. A mãe é o ambiente onde um ser humano completo está sendo construído e, por isso, tudo o que recebeu dela – de nutrientes alimentares e emocionais – vão completando partes do complexo mecanismo de formação de um novo ser.
Com isso, percebe-se a grande responsabilidade que é este papel de gestar uma vida. Sabemos que é impossível evitar totalmente as emoções negativas no dia a dia de quase 9 meses. Não temos controle sobre os eventos que vamos passar e como reagiremos a cada uma delas. Mas com essa informação, podemos priorizar o bem-estar físico e também emocional durante a gestação para o bem estar geral do filho ao longo da vida.
E se isso não foi possível na gestação dos filhos já nascidos, a boa notícia é que o que houve de difícil pode ser tratado através das terapias holísticas, cuja abordagem é cuidar do ser humano por completo e não em partes “desmembradas”. Elas são um conjunto de técnicas variadas que trabalham sobre a totalidade do ser humano e suas multidimensões, visando restaurar e manter o equilíbrio entre corpo, mente, emoções e espiritualidade. No livro “A linguagem invisível das crianças”, Olívia apresenta diversas dessas técnicas e relata casos de mães que participam de sua comunidade “Mães da Nova Era”.
“O erro da maioria esmagadora das mães é sempre o mesmo: só cuidar do corpo físico e só do filho. Este livro é uma tentativa de ampliar a consciência das mães, em primeiro lugar. (…) Não dá para enxergar o filho de verdade olhando somente para a sua superfície. Só conseguimos ligar os pontos olhando para trás. Essa é minha missão: ajudar crianças e famílias sendo a voz dos bebês que não podem se expressar de forma que os adultos compreendem”, finaliza Olívia Tani.