Dra. Alessandra Cobo

Até o momento, não há legislação específica que obrigue o trabalhador a se vacinar. Portanto, ainda não é possível afirmar com base em um dispositivo legal específico que a recusa implica em rescisão do contrato de trabalho, ou em instauração de procedimento administrativo.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu Guia Técnico Interno em 28 de janeiro deste ano, orientando o empregador a dispensar por justa causa o empregado que se recusar a tomar a vacina contra a COVID-19 sob o fundamento de a proteção coletiva oferecida pela vacina se sobrepõe aos interesses particulares. O referido Órgão chama a atenção para os empregadores conscientizarem, bem como negociarem com os seus empregados a fim de que não ocorra desligamentos por esse motivo.

Contudo, há diversas discussões a respeito do tema. Há quem afirme a possibilidade de enquadrar a recusa ao imunizante em violação aos deveres dos trabalhadores, tanto da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), quanto do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado. Como prevê o artigo 158 da CLT, por exemplo, o empregado deve observar as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como utilizar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.

Portanto, se a vacinação contra a COVID-19 for equiparada pela jurisprudência a um EPI (Equipamento de Proteção Individual), a recusa poderia configurar violação ao artigo 158, II e § único, “b” da CLT, com as implicações daí decorrentes.

Já no caso dos servidores estatutários, dependendo da forma como a recusa for apresentada em eventual Processo Administrativo, poderá ser enquadrada, por exemplo, nos incisos II, XII, XIII e XIV do artigo 241 da Lei 10.261/68 (Estatuto). Os dispositivos apontam que deixar de cumprir ordens superiores, deixar de cooperar e manter espírito de solidariedade com os companheiros de trabalho, deixar de estar em dia com as leis, regulamentos, regimentos, instruções e ordens de serviço que digam respeito às suas funções ou não proceder na vida pública e privada na forma que dignifique a função pública pode receber sanções.

Ressalta-se que a adoção de todas as medidas possíveis e existentes para evitar o contágio e controlar a pandemia de COVID-19 é dever e obrigação de todos. A recusa em relação ao tratamento de doenças infectocontagiosas pode contaminar outras pessoas, lesar o ambiente de trabalho, a atividade econômica do empregador e levar terceiros à morte, situação que conflita com o previsto no artigo 225 da Constituição Federal. O dispositivo garante o direito, a todos, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com qualidade de vida, devendo o poder público e a todos preservá-lo.

Realidade de trabalho

É público e notório que entre os mais afetados pela COVID-19 estão os trabalhadores da saúde. A categoria é submetida a jornadas desgastantes, bem como ao real perigo de contágio. Assim que a primeira vacina contra o novo coronavírus chegou ao Brasil, os primeiros relatos estavam relacionados a pessoas que receberam o imunizante de maneira desviada. O tema se tornou denúncia investigada pelo Ministério Público Estadual e tomou grande proporção na mídia.

Médicos com mais de 60 anos, mas que atendem por telemedicina, foram vacinados, de maneira isolada. Assim como funcionários administrativos sem contato direto com pacientes. Contraditoriamente, profissionais que trabalham em enfermarias de pronto-socorro com foco no tratamento de COVID-19 não foram imunizados de pronto, apesar de terem contato direto com público em geral e possivelmente contaminados pelo novo coronavírus. A situação foi contornada pela luta sindical.

Os trabalhadores da saúde estão sujeitos à contaminação no ambiente laboral – isso engloba os profissionais do laboratório que realizam exames de sangue diariamente de pacientes com COVID-19. Dessa forma, a realidade enfrentada pelos profissionais da saúde foi e está sendo desafiadora. Milhares trabalhadores do grupo de risco continuaram trabalhando – no máximo, foram remanejados de setor.

A todos os profissionais, e em especial para os que pertencem ao grupo de risco da COVID-19, a vacinação chegou para dar segurança. Ante toda a turbulência e missão em salvar vidas, os trabalhadores precisam e merecem ter as próprias vidas em segurança. É sabido que os profissionais que foram afastados receberam o imunizante e continuam atuando telemedicina, por exemplo. No entanto, a tendência é que, após tomarem a segunda dose, comecem a retornar ao trabalho presencial.

Prevenção e controle

O atual processo de vacinação não só no estado de São Paulo, mas sim em todo o país, está longe do aceitável para que possa atingir a segurança no ambiente do trabalho. Por mais que os empregadores forneçam EPI’s, o risco de contaminação é elevado, seja no próprio ambiente laboral, seja no trajeto de casa para o trabalho – trabalho para casa.

Vale dizer que não basta o fornecimento dos EPI’s, esses precisam ser de qualidade e quantidade suficiente para as trocas necessárias conforme as orientações do fabricante. Além disso, é necessário treinamento dos profissionais para a paramentação e desparamentação.

Mesmo com a imunização de médicos, enfermeiros e demais trabalhadores da saúde, os profissionais continuam apreensivos. Os problemas estruturais nos hospitais continuam, além do número baixo de profissionais versus o aumento da demanda e insuficiência de leitos.

Portanto, torna-se impossível o profissional da saúde se sentir totalmente seguro porque tomou a vacina. Nenhum imunizante é 100% eficaz e o Brasil concentra novas variantes da COVID-19. Tanto é verdade que os estados oscilam de fase a todo momento, justamente porque a situação ainda está grave.

*Dra. Alessandra Cobo é coordenadora da equipe técnica do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados. É advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 225.560, bacharela em Direito pela Faculdades Adamantinenses Integradas, desde 2004, especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde 2009.