O governo Bolsonaro caminha para uma situação insustentável com risco de ingovernabilidade auto-preparada pelo estilo descomedido do presidente, não raro coadjuvado pelos filhos.  A mim a postura do presidente não surpreende. Conheci Jair Bolsonaro quando ele foi eleito pela primeira vez deputado federal em 1990 pelo PDC, partido do qual na época eu era o presidente nacional. Tratava-se de uma pessoa de trato muito difícil. Sua passagem pela Câmara Federal foi marcada por uma personalidade controversa e atitudes claramente populistas, o que de certa forma o ajudaria na campanha presidencial.

Em 2018, quando ele foi candidato à Presidência da República, conseguiu representar o antilulismo e promoveu ampla mobilização da opinião pública, especialmente pelas redes sociais. Encarnou a figura do paladino contra os problemas daquele momento, entre os quais a corrupção e aquilo que chamava de velha política, o sistema de cooptação, o popular toma lá dá cá. O candidato falava o que o povo queria ouvir. Inúmeras vezes eu alertei amigos e pessoas de grupos da minha convivência, como na Associação Comercial do Paraná e na Maçonaria, que na sua maioria eram bolsonaristas. Ponderava que eu conhecia Bolsonaro e que ele não tinha nem capacidade nem postura para o cargo.

Foi eleito e iniciou o governo com alguns ministros competentes, preparados, adotando uma política de recuperação da economia e encaminhou as reformas, começando pela trabalhista e previdenciária, que se tornaram processos difíceis por falta de permanente e eficiente articulação com o Congresso e setores envolvidos. Na sequência, devido a reiterados atritos com o Congresso e com a própria equipe foi perdendo ministros e apoio parlamentar, sendo o fato mais recente a saída do ex-juiz federal Sérgio Moro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que mais do que uma crise interna provocou abalo no governo, sobretudo pelas revelações e troca de farpas nos dias que se seguiram ao episódio. Moro acabou saindo com ainda maior respeito e prestígio na opinião publica o que o consolida como potencial candidato, caso decida seguir na política.

O governo Bolsonaro vem sendo pontuado por seguidas divergências internas e externas, a maioria desnecessárias e provocadas por atitudes imprudentes com o Legislativo e o Judiciário, colocando em risco a imperiosa harmonia entre os poderes, fundamental para a governabilidade e a estabilidade institucional e política do país.

É inegável que a convivência não é fácil, porém é necessária, é inerente ao exercício democrático e requer habilidade política, mesmo quando se trata, por exemplo, de e um presidente da Câmara Federal com o estilo e o perfil do atual. Rodrigo Maia exerce forte liderança na Câmara dos Deputados, tem colaborado para aprovação de projetos do governo e de interesse nacional, mas também patrocina medidas que podem inviabilizar os próximos governos. Maia é declaradamente pré-candidato e trabalha nesse projeto com idêntica obsessão de João Doria, que revelou seu verdadeiro caráter político ao deixar o cargo de prefeito de São Paulo depois de quinze meses (mesmo tendo firmado compromisso público de cumprir o mandato até o fim), para concorrer ao governo do estado, traindo vergonhosamente seu padrinho político Geraldo Alckmin, que lhe havia bancado politicamente a candidatura à Prefeitura. Na eleição presidencial Doria não retribuiu o apoio ao então candidato Alckmin.

Para compensar a perda de aliados no Parlamento e tentar neutralizar a estratégia de Rodrigo Maia, o governo tenta aproximação com o chamado Centrão, negociando com Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto, que representam o pior que pode existir na política, dados a todo tipo de negociações espúrias. Caso isso venha a se consolidar (apoio de grupos desses políticos) o presidente Bolsonaro descumpre outra promessa de campanha e adere ao que ele mesmo rotulou de velha política, pois esse grupo de parlamentares condiciona o apoio à compensação por parte do governo através de Ministérios, cargos no segundo escalão e outras vantagens. É o famigerado toma lá dá cá. Outra derrota pessoal do presidente nos últimos dias foi a sucessiva e crescente perda de seguidores nas redes sociais, segundo revelaram empresas de consultorias que monitoram essas contas.

É visível que Jair Bolsonaro não tem demonstrado equilíbrio emocional nem habilidade política, requisitos essenciais para a condução do país. Talvez, por exemplos como esses é que se comenta ser muito apropriada a necessidade de candidatos a cargos eletivos majoritários serem submetidos a testes de sanidade mental – pela responsabilidade que têm na gestão da coisa pública e, indiretamente, na vida das pessoas.

Enfim, esse é o cenário.

Recentemente, o ex-presidente José Sarney disse que o Brasil está num labirinto sem saber para que lado sair. Concordo e acrescento: o labirinto está totalmente às escuras, principalmente pelo inevitável e difícil período de pós-pandemia, quando os governos terão a árdua tarefa de reorganizar, refazer, recuperar setores de vital importância, entre os quais a saúde pública e a economia. Isso vai exigir dos governantes muita firmeza, visão política, capacidade de agregação e sobretudo equilíbrio emocional.

O que gera apreensão é o fato de que no Brasil temos vivenciado governos do dia-a-dia, sem visão de futuro, nenhum planejamento estratégico nem projetos e programas de médio e longo prazo. A preocupação é com o cotidiano, provocar e contornar crises e movimentar peças do xadrez político-eleitoral. Isto nos leva a lembrar a frase que Tancredo Neves costumava repetir:  “O estadista trabalha para as próximas gerações, o político para as próximas eleições.”

No Brasil, infelizmente temos poucos políticos com o perfil de estadista.

*Luiz Carlos Borges da Silveira é médico, empresário e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado Federal. Como ministro foi o criador do “Zé Gotinha”.