Viviane Licia Ribeiro e Bruno Minoru Okajima, especialistas em relações do trabalho. Sócios do Autuori Burmann Sociedade de Advogados.
Diversas notícias têm circulado na mídia acerca da gravidade da epidemia do novo coronavírus e da sua propagação em todo o mundo e apesar da incerteza sobre o real alcance dela e de, até o momento, com um caso confirmado no Brasil, faremos algumas considerações acerca dos possíveis reflexos dessa epidemia nas relações de trabalho e das cautelas que devem ser adotadas pelos empregadores.
Para se garantir um meio ambiente de trabalho em condições seguras e de boa qualidade, deve-se zelar por esses direitos básicos do trabalhador, sendo que a Constituição Federal estabelece, inclusive, que a ordem econômica deve atentar para o princípio de defesa do meio ambiente, o que faz com que os empregadores devam ter cautela em relação aos procedimentos a serem adotados para resguardar a saúde dos seus trabalhadores.
É sabido que, nos casos de prestação de serviços no exterior, há de se observar os princípios e garantias gerais previstos na lei de migração (lei 13.445/2017), dentre eles o disposto no inciso XIV do artigo 4º, o qual determina ser direito do emigrante sair, permanecer e reingressar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência.
Como se não bastasse a proteção mencionada, em razão do risco de contágio e da situação alarmante, foi publicada recentemente a lei 13.979/2020, que dispõe especificamente sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de relevância internacional decorrente do coronavírus.
Assim, diante do risco de contágio da doença causada pelo novo coronavírus, as cautelas relacionadas ao meio ambiente de trabalho devem ser observadas não somente em relação aos trabalhadores que atuam no país, mas, principalmente, nos casos de trabalhadores expatriados que regressem de países com casos confirmados da doença e na hipótese de deslocamento de empregados que trabalhem no Brasil para países, sabidamente, infectados.
Por ser medida de saúde pública e importância internacional, devem ser cumpridas, prioritariamente, as medidas previstas na lei 13.979/2020, que traz, a definição de quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação) de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus, conforme inciso II do artigo 2º da mencionada lei.
O período de quarentena deverá ser no mínimo de dezoito dias, por analogia ao período determinado pelo governo federal ao repatriar os brasileiros de Wuhan, lembrando, ainda, que a lei determina que tal período deva ser remunerado por ser considerado falta justificada (parágrafo terceiro do artigo 3º da lei 13.979/2020).
Havendo desrespeito às medidas protetivas relativas à saúde e segurança dos trabalhadores, as empresas estarão sujeitas não apenas ao pagamento de indenização por danos morais (por desrespeito aos direitos da personalidade dos empregados, bem como pela exposição da saúde a risco) e materiais (caso haja comprovação de eventual prejuízo por parte destes empregados) em razão do descumprimento das normas de proteção à saúde e segurança dos empregados, mas também correrão o risco de seus empregados ingressarem com pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho em virtude de estarem expostos a manifesto risco de mal considerável, nos termos da alínea “c” do artigo 483, da CLT, por não poderem garantir que tais trabalhadores não serão infectados.
Outra situação atine à possibilidade ou não de determinação comparecimento de seus empregados em países infectados pela doença. Em tais casos, como estarão expostos a perigo manifesto de mal considerável, nos termos do artigo 483, alínea “c” da CLT, não só poderão se recusar a comparecer, como poderão requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Importante ter em mente que as empresas deverão adotar medidas de proteção à saúde do trabalhador não apenas aos que regressem ou precisem se dirigir aos países com suspeita de contaminação, pois, enquanto mantiverem trabalhadores laborando em países com epidemia, as normas protetivas de saúde e segurança estabelecidas pelas autoridades destes países deverão ser observadas
Outra questão refere-se à possibilidade de dispensa sem justa causa de empregados que estejam regressando dos países infectados pelo coronavírus ou se recusem a saírem do país durante esse período de incertezas. Caso isso ocorra, o risco de tais dispensas serem discriminatórias é grande, pois ainda que a empresa não possua condições de conceder trabalho remoto deverá conceder licença remunerada (ao menos pelo período de “quarentena” até que os sintomas do coronavírus venham a se manifestar), a fim de que estes empregados não exponham os demais trabalhadores a risco, nem se exponham a risco de contágio.
Caso as empresas determinem o comparecimento de seus empregados aos locais de risco, poderão estes vir a solicitar a rescisão indireta de seus contratos de trabalho por estarem sendo expostos a risco de mal considerável, bem como ao pagamento de eventual indenização por danos morais e materiais caso venham a contrair a doença ou passem por situação ensejadora de dano material ou moral, sendo que a viagem, por si só, a um local infestado por vírus letal acarreta o risco às empresas de terem de pagar indenização por danos morais.
Portanto, diante do surto internacional provocado por coronavírus, as empresas deverão proceder com a máxima cautela no trato das questões atinentes a esse problema para que se obtenha o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais dos trabalhadores que são acima de tudo, seres humanos.