André Szesz

De forma recorrente, o tema da maioridade penal ressurge nos debates públicos, seja com o renascimento de proposições de redução da idade mínima para a imputabilidade penal ou acompanhadas de promessas de redução das estatísticas de infrações praticadas por jovens. A mais nova proposição é a do senador Flávio Bolsonaro, que pretende reduzir a maioridade penal para 16 anos como regra geral e para 14 anos em casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, associação criminosa, entre outros (alguns sequer especificados).

Todavia, o próprio discurso apresentado pelo senador como justificativa para a proposta já revela os equívocos de suas premissas. De acordo com o senador, os “avanços sociais e tecnológicos das últimas décadas” teriam propiciado “o desenvolvimento precoce de crianças e adolescentes”, o que tornaria obsoleto o marco de 18 anos de idade. Porém, esse argumento, além de carecer de embasamento científico, entra em contraste com sérias pesquisas científicas recentes, que sugerem justamente o oposto. Nesse sentido, e por exemplo, o interessante estudo realizado pelas pesquisadoras J.M. Twenge e H. Park, intitulado “The Decline in Adult Activities Among U.S. Adolescents, 1976-2016″, que demonstra que os jovens estão demorando cada vez mais para amadurecer.

Flávio Bolsonaro também motiva sua proposta no argumento de que adolescentes teriam discernimento sobre seus atos, em especial os praticados com extrema violência e crueldade. Ocorre que o critério de delimitação de idade para a maioridade penal passa longe de ser o mero discernimento. Leva-se em conta, além da capacidade do jovem de compreensão de toda a extensão do significado do ato em sua própria vida e na de terceiros, as consequências sociais de sua inserção no sistema prisional.

O parlamentar alega que a redução da maioridade é tendência a ser adotada em países desenvolvidos. Trata-se de um argumento de mera conveniência (por exemplo, a grande maioria dos países centrais já descriminalizou o aborto consentido, porém, nesse ponto, o senador não parece querer imitá-los), mas incorreto: conforme demonstrou estudo realizado por G. S. A. Hathaway, consultora legislativa da Câmara dos Deputados, intitulado “O Brasil no regime internacional dos direitos humanos de crianças, adolescentes e jovens: comparação de parâmetros de Justiça juvenil”, a tendência global é o aumento do limite de idade para a maioridade penal.

Sugere o senador, por último, que a redução da maioridade penal “certamente iria gerar uma diminuição da quantidade de crimes” cometidos pelos jovens. O argumento, além de não conter qualquer embasamento científico, é largamente contrariado por diversas pesquisas empíricas, que indicam justamente o oposto: quanto mais cedo um jovem é inserido em um sistema prisional, maiores são as chances de que se consolide uma carreira criminosa. Sobre esse tema, recomendo a leitura de Irracionalismo e redução da maioridade penal – pequeno texto publicado por M.S. Dieter e L.A. Souza no Boletim nº 271 do Ibccrim.

Em suma, essa proposição de redução da maioridade penal se mostra essencialmente populista, equivocada em suas premissas e inapta a alcançar os fins prometidos. Ela pode até gerar ao senador um ganho político perante seu eleitorado. Porém, se aprovada, essa medida promoveria um agravamento da desigualdade social e um encarceramento em massa de jovens das periferias. Estes, como sempre, os mais diretamente afetados por esse tipo de política punitivista irracional.

*André Szesz, advogado e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. É professor da Escola de Direito e Ciências Sociais e coordenador da Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal da Universidade Positivo.