A ex-presidente Dilma Rousseff foi impedida, de maneira ilegítima, como se sabe, pelo “conjunto da obra”. Nunca ficou provado crime de responsabilidade e, muito menos, corrupção. Ao contrário, foi Dilma quem mudou, em 2012, a diretoria da Petrobras, depois implicada na Lava Jato.
O impeachment adquiriu tons de eleição indireta, com o candidato ao cargo, Michel Temer, cabalando votos para chegar lá. Quantos não votaram contra Dilma em nome da moralidade? Compare-se agora a atitude de Temer com relação à diretoria da Caixa Econômica Federal (CEF), acusada das mesmas práticas que havia na estatal do petróleo (favorecimento em troca de recursos). Enquanto Dilma demitiu, Temer faz o possível para manter. Esperemos que o novo estatuto, aprovado nesta sexta-feira (19), impeça o seu êxito.
Diga-se em favor de Temer que apenas cumpre as regras do jogo político real, diferentemente daquelas que vigoram no mundo das leis. Os partidos que indicaram os implicados condicionam os votos na Câmara à retenção de vagas na instituição financeira. Incrível é que o façam com tamanha naturalidade quatro anos depois de iniciada a Lava Jato.
Parte da diretoria é remanescente daquela que a Polícia Federal investiga, publicamente, há um ano. No começo de 2017, a PF deflagrou a Operação Cui Bono? (Quem ganha?), para vasculhar um esquema de fraudes na liberação de créditos da CEF. Principal suspeito? Geddel Vieira Lima, que teria atuado em parceria com ninguém menos que Eduardo Cunha, ambos presos.
Em outubro passado, o doleiro Lúcio Funaro falou, em colaboração premiada, a respeito do caso. Afirmou que um dos vices da época tinha “meta mensal” de propina a distribuir para os políticos do seu partido. O que fez Temer, acusado pelo doleiro de conhecer o esquema? Transformou o mencionado vice em presidente do banco.
Em detrimento de Dilma, é preciso reconhecer que Geddel foi vice-presidente da instituição entre 2011 e 2013, durante o primeiro mandato da petista. Talvez consistisse no preço —que se mostrou inútil pagar— para manter algum equilíbrio na Câmara. Questão para os historiadores.
Em recente entrevista, Pedro Corrêa, ex-presidente do Partido Progressista (PP) condenado na Lava Jato, afirmou que esse tipo de esquema existe desde o Império. Sabe do que fala. O trisavô foi presidente do Banco do Brasil e das Províncias do Maranhão e de São Paulo. Quase dois séculos depois, não vai desaparecer tão cedo.
Por surpreendente que seja a boa parte do público, ocorreu aqui o mesmo que na Itália. A Mãos Limpas destroçou o sistema partidário e provocou a ascensão de figuras piores. Temer é o nosso Berlusconi.
Folha de S.Paulo