O resultado adverso era esperado havia muito, mas os militantes que lotavam o auditório na sede da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em São Paulo, ainda estavam chorosos. O cansaço do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficava evidente pela voz, que saía ainda mais rouca que de costume. Na sua vez de falar, o ex-ministro Alexandre Padilha, um dos vice-presidentes do PT, apoiou-se na metáfora futebolística, uma marca de Lula em discursos, para dar maior efeito político a sua declaração. “É como campeonato de futebol: se você tem o Pelé, você vai deixar de escalá-lo porque lá na frente ele pode ficar impedido de jogar? Você deixaria de escalar o Pelé?”, disse Padilha. Em outro gesto esperado por todos, Padilha lançava Lula como pré-candidato do PT à Presidência da República em 2018, no dia seguinte à condenação dele a 12 anos de prisão, imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Associar Lula a Pelé é um mantra repetido com frequência. Pega carona numa invenção do dramaturgo Nelson Rodrigues no livro A pátria de chuteiras. “Assim como Michelangelo é o Pelé da pintura, da escultura, Pelé é o Michelangelo da bola.” Lula seria o Pelé da política. Mas Pelé precisa jogar de acordo com as regras. “Vai colocar ele para jogar, mas tem de lembrar que nesse jogo também tem juiz”, afirmou Padilha.
Na atual situação, as regras são desfavoráveis a Lula como nunca foram. Lula certamente será impedido pela Lei da Ficha Limpa de concorrer. Lula pode ser preso. A questão é em quanto tempo isso pode acontecer – e o tempo da Justiça corre em velocidade diferente do tempo da política. Nessa seara, persiste a dúvida sobre até quando ele permanecerá na disputa e quanto sua influência resistirá.
Pouca gente acredita que Lula acabou. Ninguém sabe quanto fôlego político lhe resta.
Ao PT não restam dúvidas, tampouco alternativa. Não há outro candidato além de Lula capaz de manter o partido vivo após o processo desencadeado em 2014 pela Operação Lava Jato. O lançamento da pré-candidatura de Lula imediatamente após a condenação é a resposta política à adversidade. Lula fará campanha como pré-candidato até o limite. O partido deve inscrever Lula oficialmente no final do prazo, 15 de agosto. Ele poderá ser barrado na inscrição ou impedido mais tarde. Ao PT isso pouco importa; importa que o petista faça campanha, viaje, apareça em comícios, ajude a eleger uma bancada razoável de deputados federais e evite que o partido caia na irrelevância no Congresso.
Fora do PT, parte de aliados e adversários considera que Lula é – ainda na metáfora futebolística – o craque capaz de jogar até parado. Seu campo ideal são as regiões Norte e Nordeste, onde desfruta de uma popularidade inalcançável. Candidatos do PSDB evitarão fazer campanhas baseadas em ataques a ele, mesmo que esteja preso – avaliam que seria um erro.
“Não me agrega nada criticar o Lula, que é muito querido no meu estado”, disse um parlamentar tucano, candidato. “Nosso enfrentamento nunca será contra Lula pessoalmente.” Muitos consideram que Lula terá grande capacidade de angariar votos exercendo na eleição o papel de vítima de uma elite que tem preconceito e rechaça a preferência dele pelos mais pobres.
PALANQUE
No Norte e no Nordeste, Lula ainda atrai candidatos; a rejeição é maior no Sul e Sudeste (Foto: Aloisio Mauricio /Folhapress, Rafael Arbex/Estadão Conteúdo e Aloisio Mauricio /Folhapress)
Tome-se o Pará como exemplo. Uma pesquisa feita antes do julgamento da semana passada dava Lula na dianteira, com 39% das intenções de voto, mais que o dobro do segundo colocado, o deputado Jair Bolsonaro, do PSC do Rio de Janeiro. Dados assim mantêm líderes do MDB, aqueles que farejam o caminho mais curto ao poder muito antes dos outros, ao lado de Lula. Na semana passada, o ex-presidente do Senado Renan Calheiros divulgou um vídeo no qual protesta contra a inviabilização da candidatura de Lula depois da condenação pelo TRF4. “É um erro grave impedir Lula de ser candidato a presidente. Ele tem o direito de ser julgado pelos brasileiros. Condenação sem provas não inspira respeito”, disse Renan. “Eleição sem Lula ficará capenga, vai ficar faltando alguém na urna, e a população não vai aceitar.”
O MDB observará durante alguns dias a recepção da condenação de Lula entre o eleitorado e verá se esse grande ativo eleitoral mantém-se forte. Observe-se, por exemplo, a reação do ex-presidente José Sarney, que disputa o apoio de Lula à candidatura da filha Roseana ao governo do Maranhão. Ele lamentou a condenação. “Sou seu amigo pessoal, sempre testemunhei sua preocupação com a coisa pública. Lamento a decisão”, afirmou em nota. Mas Sarney nada disse ainda sobre a possibilidade de uma aliança com o petista depois da condenação. O presidente do partido e líder do governo no Senado, Romero Jucá, chegou a defender que a Executiva Nacional aprovasse uma resolução proibindo qualquer tipo de aliança, regional ou nacional, com o PT de Lula, mas a ideia foi bombardeada por seus colegas – além de Renan e Sarney, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador Jader Barbalho, que conta com Lula na campanha do filho ministro, Helder Barbalho, a governador do Pará.
Fora do eixo Norte-Nordeste, Lula poderá perder aliados. As manifestações de solidariedade de partidos de esquerda na semana passada não significam companheirismo na campanha. Quem tem pretensão de candidatura própria já tem motivos para ficar menos desinibido. “Vamos tocar a campanha naturalmente. Acho muito difícil o PT fechar alguma coligação. Se já não estava fácil antes, até o PCdoB lançou candidato, agora, com a condenação de Lula será pior”, disse o presidente do PDT, Carlos Lupi. “Sobre o espólio de Lula, a migração será natural. Os brasileiros não gostam de perder o voto.” Tradução: o PDT sente muito, mas colocará o ex-ministro Ciro Gomes nas ruas para capturar parte dos votos que poderão ser deixados por Lula.
O PCdoB, sempre aliado do PT em disputas presidenciais, neste ano tem uma pré-candidata, a deputada estadual Manuela d’Ávila. No dia seguinte ao julgamento em Porto Alegre, sua cidade natal, Manuela fez campanha em Minas Gerais. “A condenação de Lula, mesmo ele mantendo a candidatura, complica muito a vida do PT e sua política de alianças”, afirmou o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira. O PSB procura aliados que ajudem seus dez candidatos a governador, especialmente Márcio França, em São Paulo.
O poder de um político se mede melhor na adversidade, não no apogeu. Por essa régua, está claro que Lula mantém força. Nenhum partido planeja a eleição de 2018 sem levar em conta o que acontecerá a ele daqui para a frente. Seu tempo de duração na campanha determinará a estratégia dos adversários na disputa pela Presidência. Sua ausência prejudica a candidatura de seu adversário mais próximo, o deputado Jair Bolsonaro. O principal argumento de campanha de Bolsonaro baseia-se em bater em Lula e no PT; sem Lula, Bolsonaro perde um ativo eleitoral. O pré-candidato pelo PSDB, Geraldo Alckmin, espera que a saída de Lula leve os eleitores a escolher um candidato não tão próximo ao petista como é Ciro Gomes e esvazie o radical Bolsonaro. A busca dos eleitores por uma solução moderada em tese beneficiaria Alckmin.
Entre todos os concorrentes, o PT tem a linha mais fácil. Basta sustentar Lula. Se não conseguir uma decisão favorável nas Cortes superiores, poderá trocar Lula por outro candidato a 20 dias da eleição, consciente de que suas chances sem Lula são reduzidas. Seu destino será preparar-se para um futuro difícil, que poucos imaginaram, no qual Lula não estará nas urnas. Neste ano, no entanto, isso ainda não é uma certeza.
ÉPOCA